quarta-feira, 1 de abril de 2009

O dia da mentira e a hora da verdade

Primeiro de abril de 2009, às 14h (ou seja, em menos de uma hora), em Brasília, os ministros do Supremo Tribunal Federal vão analisar a constitucionalidade da Lei de Imprensa e a exigência do diploma de jornalista. Hoje, quem não tem diploma pode trabalhar em jornalismo graças a uma liminar do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo.

Rodrigo Haidar, é correspondente em Brasília da revista Consultor Jurídico, dá o panorama geral da polêmica, em matéria publicada no site do Conjur:

"A polêmica em torno da necessidade de diploma de jornalismo para o exercício da profissão esteve presente na imprensa desde a edição do Decreto-Lei 972/69, que regulamenta a atividade, mas ganhou força em outubro de 2001, quando o Ministério Público entrou com ação para derrubar a exigência de diploma.

No dia 23 de outubro de 2001, a Justiça deu liminar para suspender a obrigação de ter diploma de curso de jornalismo para a atividade jornalística. A Justiça acolheu o argumento da procuradora da República Luiza Fonseca Frischeisen de que o decreto que regula a profissão não foi recepcionado pela Constituição de 1988. A exigência foi cassada.

A União e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) recorreram ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. No final de 2005, a 4ª Turma do tribunal derrubou a sentença de primeira instância e restabeleceu a obrigação de os jornalistas terem curso superior na área específica. O relator da matéria, desembargador Manoel Álvares, entendeu que o Decreto-Lei 972/69 foi, sim, recepcionado pela Constituição.

Foi a vez, então, de o MPF recorrer ao Supremo. O MPF alega que o artigo 5º 5º da Constituição fixa que o jornalismo é uma atividade intelectual que prescinde de obrigação de formação superior. Para o Ministério Público, a exigência de diploma para exercer a profissão de jornalista se choca com esses princípios constitucionais.

Em Ação Cautelar, o procurador-geral da República conseguiu liminar para suspender a exigência do diploma. Agora, o Supremo decidirá o Recurso Extraordinário sobre o mérito da questão."

Para defender a classe dos jornalistas, recorro ao artigo do presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ, Sérgio Murillo de Andrade:
Jornalista, só com diploma

*Sérgio Murillo de Andrade

Em 1964, há 45 anos, na madrugada de 1º de abril, um golpe militar depôs o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura de 21 anos no Brasil. Naquela época, todos os setores, inclusive o Jornalismo, e liberdades democráticas foram atingidas e sofreram por mais de duas décadas.
Em 2009, a sociedade brasileira pode estar diante de um novo golpe, mais direcionado que então. Desta vez, especificamente contra o seu direito de receber informação qualificada, apurada por profissionais capacitados a exercer o Jornalismo, com formação teórica, técnica e ética.

A exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, em vigor há 40 anos (1969/2009), encontra-se ameaçada. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, também em 1º de abril, o recurso que questiona a constitucionalidade da regulamentação profissional do jornalista. O ataque à profissão é mais um ataque às liberdades sociais, cujo objetivo fundamental é desregulamentar as profissões em geral e aumentar as barreiras à construção de um mundo mais pluralista, democrático e justo.

É importante esclarecer: defender que o Jornalismo seja exercido por jornalistas está longe de ser uma questão unicamente corporativa. Trata-se, acima de tudo, de atender à exigência cada vez maior, na sociedade contemporânea, de que os profissionais da comunicação tenham uma formação de alto nível. Depois de 70 anos da regulamentação da profissão e mais de 40 anos de criação dos Cursos de Jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do Jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia.

O ofício de levar informação à sociedade já existe há quatro séculos. Ao longo deste tempo foi-se construindo a profissão de jornalista que, por ter tamanha responsabilidade, à medida que se desenvolveu o ofício, adquiriu uma função social cada vez mais fundamental para a sociedade. E para dar conta do seu papel, nestes quatro séculos, o Jornalismo se transformou e precisou desenvolver habilidades técnicas e teóricas complexas e específicas, além de exigir, também sempre mais, um exercício baseado em preceitos éticos e que expresse a diversidade de opiniões e pensamentos da sociedade.

Por isso, a formação superior específica para o exercício do Jornalismo há muito é uma necessidade defendida não só pela categoria dos jornalistas. A própria sociedade, recentemente, já deixou bem claro que quer jornalista com diploma. Pesquisa do Instituto Sensus, realizada em setembro de 2008, em todo o país, mostrou que 74,3 % dos brasileiros são a favor da exigência do diploma de Jornalismo. E a população tem reafirmado diariamente esta sua posição, sempre que reclama por mais qualidade e democracia no Jornalismo.

A Constituição, ao garantir a liberdade de informação jornalística e do exercício das profissões, reserva à lei dispor sobre a qualificação profissional. A regulamentação das profissões é bastante salutar em qualquer área do conhecimento humano. É meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social de qualidade e segurança ao cidadão. Impor aos profissionais do Jornalismo a satisfação de requisitos mínimos, indispensáveis ao bom desempenho do ofício, longe de ameaçar à liberdade de Imprensa, é um dos meios pelos quais, no estado democrático de direito, se garante à população qualidade na informação prestada - base para a visibilidade pública dos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas.

A existência de uma Imprensa livre, comprometida com os valores éticos e os princípios fundamentais da cidadania, portanto cumpridora da função social do Jornalismo de atender ao interesse público, depende também de uma prática profissional responsável. A melhor forma, a mais democrática, de se preparar jornalistas capazes a desenvolver tal prática é através de um curso superior de graduação em Jornalismo.

A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática.

Somos mais de 60 mil jornalistas em todo o país. Milhares de profissionais que somente através da formação, da regulamentação, da valorização do seu trabalho, conseguirão garantir dignidade para sua profissão, e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o Jornalismo praticado hoje no Brasil.

E não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação perderá se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no país ficar nas mãos de interesses privados e motivações particulares. Os jornalistas esperam que o STF não vire as costas aos anseios da população e vote pela manutenção da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista no Brasil. Para o bem do Jornalismo e da própria democracia.

* Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ

Um comentário:

Éderson Lumertz Izé disse...
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